“Eu só queria poder dar alegria ao meu povo”, David Luiz engasgou entre os soluços, o desgosto de uma nação esculpida em seu rosto avermelhado enquanto ele estava no campo do Mineirão em 8 de julho de 2014.

Ele tinha acabado de ser a figura central no drama da miséria futebolística perfeitamente imperfeita do Brasil. Aquele jogo. O 7-1. Onde ele queria proporcionar alegria, ele infligiu angústia, o maior constrangimento em uma Copa do Mundo em casa.

Mas com David Luiz, isso é o que você ganha. Ou um lado da moeda, pelo menos. Ele é um homem sem meias medidas, totalmente livre, ao que parece, pelas expectativas da sociedade. David Luiz é euforia e miséria, alegria e desespero, brilho e desastre, e absolutamente nada no meio.

O ex-jogador do Chelsea e do Arsenal é o maior anti-herói tragicômico do futebol – e na derrota do Flamengo por 1 a 0 para o rival do Rio de Janeiro, o Botafogo, na manhã de domingo, ele mostrou que nunca, nunca, mudará. Nem deveria.

O jogo estava sendo disputado no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, a quase mil quilômetros do Rio. E com o pontapé inicial às 11h, o segundo tempo aconteceu sob o sol escaldante do meio-dia.

Ainda assim, sendo um clássico, foi maravilhosamente caótico, uma gloriosa confusão de espaço aberto e desorganização.

O Flamengo, o clube com a maior torcida do Brasil e um dos mais bem-sucedidos do país nos últimos anos, apimentou o gol de seu adversário, que lutam há várias temporadas, mas têm esperanças renovadas com a riqueza do novo proprietário John Textor, que também é co-proprietário do Crystal Palace.

O Flamengo criou e desperdiçou chance após chance. Um remate de Gabigol foi anulado por impedimento. E David Luiz cabeceou uma bola na trave.

Então, previsivelmente, veio o gol do adversário. O atacante do Botafogo, Erison, pegou a bola fora da área, olhou no branco dos olhos de David Luiz, tocou para o lado e depois desferiu um chute das entranhas do inferno. O Flamengo, cujo início de temporada está longe de ser satisfatório devido ao seu status, encarava mais uma derrota embaraçosa.

Mais chances do outro lado se seguiram. Outra cabeçada de David Luiz foi defendida e uma cobrança de falta de Giorgian De Arrascaeta passou por cima do travessão.

Então, finalmente, a última oportunidade. Com oito minutos de acréscimo, Gabigol disparou pela esquerda e cortou para trás. E lá veio ele, o salvador magnificamente penteado do Flamengo, correndo as 80 metros atrás, apesar do calor e da exaustão para chegar ao fim e salvar o dia.

Ou pelo menos era assim que ele imaginava.

Na vida real, era muito melhor. Ou pelo menos muito mais divertido para os neutros. Muito mais David Luiz, também. Seu pé esquerdo encontrou a bola e ela foi embora. Literalmente se foi. Fora da tela da televisão, fora do estádio e, possivelmente, fora dos limites da atração gravitacional da Terra.

Foi um erro de arrasar a terra – literalmente, considerando como o estádio tremeu enquanto a bola atravessava a camada de ozônio. E, para nós, foi pura perfeição, um momento futebolístico genuinamente imaculado.

Os torcedores dos rivais do Flamengo brincaram no Twitter que ele finalmente trouxe alegria ao povo brasileiro. Ele teve que alguns deles. Mas para todos eles e para todos nós, ele trouxe e continua trazendo algo muito mais importante: David Luiz é o rei do drama futebolístico; ele é o personagem mais perfeitamente escrito do jogo.

“O futebol é uma arte, assim como a dança é uma arte”, disse Arsene Wenger certa vez. “Mas só quando é bem feito é que se torna uma arte.”

David Luiz está andando, falando, chorando, atirando, gritando, tropeçando, gesticulando loucamente prova de que apenas a primeira parte disso é verdade. Futebol é arte. Mas pode ser arte quando é bom e quando é ruim.

O chute de David Luiz foi um desastre, uma tentativa miserável de marcar um gol. Mas se considerarmos a história do jogo como o roteiro de uma peça, e David Luiz como autor e ator principal, ele escreveu um final muito melhor do que aquele em que a bola voou perfeitamente no canto superior, muito mais dramático e fundamentalmente humano.

E essa é a alegria de David Luiz. Ele é profundamente falho e ainda melhor por isso.

Como qualquer grande personagem de ficção, ele é capaz de inspirar desdém, raiva, pena, alegria e desespero em igual medida. Os torcedores do Flamengo estão vendo isso em foco agora.

E depois que seu último momento confirmou a segunda derrota em cinco jogos da liga até agora nesta temporada, ele apareceu para as câmeras como sempre faz, falando sem desculpas de sua crença de que ganhará outro título da liga no final da campanha.

“Em um grande clube, sempre será assim”, disse ele. “Não há um momento do ano que não seja turbulento. Para mim, o que importa é como termina, não como começa.”

Qualquer grande dramaturgo diria o mesmo.